O PEREGRINO
a Enrico Panzacchi
No horizonte,
Dilue-se do poente o faustoso matiz...
Triste, sentado numa velha ponte,
Um cavalleiro diz:
—«Judith, Arminda, Ignez, Anna, a de tranças pretas,
E Lydia, a sensual, foram todas as mesmas!
Em rão meus pardos dias, tristes lesmas,
Quizeram ser doiradas borboletas...
«Fartei-me de colher o mesmo beijo
Em labios deseguaes...:
Não consegui adormecer meus ais,
Não consegui matar a sede ao meu desejo...
»Trago a alma envolcida n'uma tunica
Que o Cansaço teceu com lás de cor's bem tristes...
Onde estás tu, se acaso existes,
Ó minha gemea, ó Unica?
»Devo esquecer-te, devo exp'rar a tua vinda,
Ou procurar-te sempre em vão será meu fado?
Vamos! vamos! responde ao teu amado:
Vives, morreste já, ou não nasceste ainda?
»Náo passa uma donzella,
Seja loira princeza ou timida zagala,
Que eu não diga, ao fital-a:
Será ella?
»Já um dia pensei (em que sonhos me enredo!)
Uma creança vendo ao pé d'uma velhinha:
—Talvez alguma d'ellas seja a minha...
Cheguei tarde de mais ou cheguei muito cedo?
»Embalde busco seus encantos e meiguice,
Não consigo atinar com seu floreo jardim...
Talvez passasse jà ao pé de mim
Sem que eu a visse...
»Mas o que mais me doe, sempre, por toda a parte,
É a lembrança, ó mysteriosa amada,
De que vives talvez bem desgraçada.
Sem que eu possa valer-te e consolar-te...
»Fanou-se, ha muito já, a primavera,
Para o outomno o estio vae marchando,
E emquanto, a procurar-te, vou chorando,
Tu estás talvez, chorando, á minha espera...
»Sempre a buscar-te vou, embora exangue já,
E a despeito de voz, que, por noites escuras,
Ironica me diz: Aquella que procuras
Não vive, não morreu, nem nascerá!»
. . . . . . . . . . . . .
N'isto, ao fundo da ponte, eis que uma Dama,
Surge, soltas ao vento as longas tranças flavas,
E a sua voz, pallida rosa clama:
«—Vem! sou aquella que buscavas!»
O Cavalleiro parte airosamente...
Porém, na ponte havia um abysmo traiçoeiro:
Cavallo e Cavalleiro
Gairam na torrente...
Fervia um mar de sangue no horisonte...
Do Cavalleiro o sangue as agoas coloria...
E lá ao fundo da arruinada ponte
A Dama ria... ria... ria...
Eugénio de Castro